O beija-flor alérgico

Era uma vez um jardim encantado chamado Florêlia, um lugar onde o vento dançava entre as flores e cada manhã era recebida com cantos dos passarinhos. Havia rosas que bocejavam ao nascer do sol, girassóis que faziam acrobacias com seus caules e margaridas que contavam piadas umas para as outras. Tudo era alegria, cor e cheirinho doce de néctar.

E bem no meio desse paraíso vivia Lilico, um beija-flor pequenino e muito especial. Ele tinha penas azul-celeste com um brilho leve como o céu da primavera. Seu topetinho vivia despenteado, e isso só fazia ele parecer ainda mais simpático. Lilico acordava antes do Sol só para ser o primeiro a visitar as flores.

Voava em zigue-zague entre os galhos, assobiando suas próprias músicas e cumprimentando cada flor com um beijo leve.

— “Bom dia, Rosinha! Você tá linda hoje!”

— “Oi, Dália! Essa cor nova combinou com você!”

 Lilico era educado, gentil e fazia todos no jardim se sentirem importantes.

Mas havia um detalhe… algo que fazia Lilico se sentir diferente dos outros beija-flores.

Toda vez que ele aproximava o biquinho de uma flor…

ATCHIM!

Um espirro tão forte que sacudia suas penas e fazia as pétalas voarem como confetes. Era um espirro, dois, três, uma verdadeira sinfonia de "atchins"!

— “Lá vem o EspirriLilico!”, zombava a Abelha Margarida, segurando o riso.

— “Será que ele é um passarinho ou um regador?”, brincava o Grilo Zé, rindo alto.

Lilico ficava envergonhado. Tentava sorrir e seguir seu voo, mas no fundo ficava triste. Como podia ser um beija-flor… alérgico a flores?

Ele passou a voar mais devagar, a evitar festas de néctar, e até pensou em mudar de jardim.

Mas Lilico era determinado. Ele não queria desistir de ser ele mesmo só por causa de um probleminha alérgico.

Primeiro, tentou usar uma folha como máscara. Enrolou em volta do biquinho e amarrou com um cipó. Ficou parecendo um super-herói florido. Mas bastaram três voos e a folha voou junto com o vento. Pior: espirrou dentro da máscara e quase se afogou no próprio espirro.

Depois tentou fazer um capacete com uma casca de noz. Bateu asas com cuidado, mas o capacete escorregava e tampava os olhos.

— “Não dá pra beijar flor nenhuma se a gente nem vê onde tá indo!”, reclamou Lilico, tonto depois de trombar num cacto.

Também pensou em se alimentar de suco de frutas, como os papagaios. Mas era estranho… não tinha o mesmo gosto doce das flores. Seu coração continuava chamando pelos jardins.

As noites passaram e Lilico ficou triste. Ficava em seu galhinho, olhando o céu e se perguntando:

— “Por que eu sou assim? Será que tem um lugar no mundo para um beija-flor como eu?”

Num dia nublado, Lilico resolveu tentar mais uma vez. “Só mais uma flor… só mais um voo…”, pensou.

Pousou perto de uma flor roxa. Era tímida, pequena, meio escondida entre as folhas. Lilico achou curioso: nunca tinha visto aquela flor antes.

Com medo, aproximou o biquinho.

Silêncio.

Nenhum espirro.

— “Espera… não espirrei?”, disse ele, olhando para os lados, como se esperasse uma pegadinha.

Cheirou de novo. Nada. Bebeu o néctar. Nada. Lilico até bateu as asas de leve pra ver se o pólen voava. E mesmo assim…

NENHUM ESPIRRO.

Os olhinhos dele brilharam como estrelas.

— “Flores roxas! Eu não sou alérgico às flores roxas!”

Foi como encontrar um tesouro. Um segredo mágico só dele.

No dia seguinte, Lilico acordou mais animado do que nunca. Pediu ajuda à Minhoca Dora para buscar sementes de flores roxas. A Dora sabia tudo sobre a terra.

— “Tem que plantar onde pega Sol da manhã e sombra da tarde”, explicou ela, girando na terra como um parafuso.

Depois pediu ao Vento Lelé que espalhasse o pólen pelas partes certas do jardim.

— “Pode deixar, Litico!”, disse o Vento, soprando com carinho.

Lilico cavou, plantou, regou com gotas do orvalho da manhã. Durante semanas, cuidou das florzinhas com todo o amor. E um dia, finalmente, nasceu o Jardim Roxo.

Era lindo! Um campo lilás que balançava como ondas suaves. Lilico voava por entre as flores sem espirrar, sem medo, só com alegria.

Quando os outros bichos souberam do jardim, foram ver de perto. A Abelha Margarida chegou meio desconfiada.

 — “Então agora você só voa nas flores que não fazem espirrar?”, perguntou, tentando entender.

— “Isso mesmo! Descobri o que me faz bem. E tô cuidando disso com carinho”, respondeu Lilico, com o peito cheio de orgulho.

Os outros bichos ficaram pensativos.

— “Poxa, eu nunca pensei em fazer só o que me faz bem…”, disse o Grilo Zé.

— “Às vezes a gente acha que o problema tá na gente, mas é só questão de achar o lugar certo”, disse a Borboleta Lili.

Lilico virou uma referência. Não só por voar bem, mas por ensinar que se conhecer é uma forma de coragem.

Alguns dias depois, veio a Festa das Pétalas — um evento famoso onde todos os bichos dançavam, comiam doces de pólen e brincavam sob a lua cheia.

Antes, Lilico sempre ficava longe, espirrando sozinho.

Mas agora… ele foi convidado para ser o padrinho da festa!

— “Você nos ensinou que cada um tem um jeito de florescer”, disse Dona Coruja, que organizava tudo.

Naquela noite, Lilico dançou entre as flores roxas, com as abelhas, os grilos, as borboletas e até o Vento Lelé, que fazia piruetas no ar. Todos cantavam:

“Beija-flor alérgico, que confusão! Espirra aqui, espirra ali… mas continua feliz assim!”

Desde então, Florêlia virou um lugar ainda mais especial. Porque todos passaram a cuidar melhor uns dos outros. Respeitavam os medos, celebravam as diferenças e ajudavam quem precisava encontrar seu lugar.

Lilico, o beija-flor alérgico, virou uma pequena lenda do jardim.

Não por voar mais rápido. Nem por ter as penas mais bonitas.

Mas por ensinar que todo mundo é especial do seu jeitinho, e que a verdadeira força está em se aceitar, se cuidar — e ainda assim sorrir e espalhar amor.

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